segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Aprender a lidar com a saudade


Tinha aproximadamente 20 anos que eu não sabia o que era perder alguém, no sentido de ver essa pessoa dentro de um caixão e sendo colocada debaixo da terra. Sábado, dia 23, minha avó paterna desencarnou. Ela vinha enfrentando uma doença muito difícil: a fibrose pulmonar. Junto com ela, para piorar, também tinha a diabete que atrapalhava a medicação da fibrose e, nos últimos dias, ainda pegou uma pneumonia. Na última semana, já na UTI, seu quadro infeccioso só piorava. No fundo, todo mundo da família já sabia que isso ia acontecer e, cada um a sua maneira, veio se preparando para o dia da despedida.
Mas, por mais que as circunstâncias afirmem que é só uma questão de tempo, se adaptar a chegada da morte é algo extremamente difícil e complexo. Eu fui dizendo para mim mesma que ia ser melhor assim, pelo tanto que vi minha avó sofrer. Desde sempre sabia que quando ela partisse, o sofrimento seria nosso, daqueles que ainda ficaram nessa Terra. Para ela, seria um alívio e pelo amor imenso que sinto, para mim também deveria ser.
De fato, é mais fácil ser egoísta e pedir a Deus para não levá-la. Não ainda. Mas o ainda teria que durar até o ponto de estarmos preparados. Mas, será que alguém consegue realmente ficar preparado para se despedir tão bruscamente de um ente tão querido? É possível praticar de maneira tão intensa o desapego a ponto de se alegrar com essa partida por entender que o outro será mais feliz assim? Eu tentei. Na verdade, estou tentando, me lembrando em todos os momentos dos ensinamentos que recebo da doutrina espírita.
Quando recebi a notícia, estava dormindo. Atendi o telefone de sobressalto, e acabei me sentindo aliviada quando meu pai me contou. Cheguei a sorrir por pensar que ela finalmente tinha parado de sofrer. Mas com o passar do tempo, depois de vê-la na capela do hospital em cima de uma maca, na sala da funerária dentro de um caixão e sendo enterrada, a ficha começou a cair. Só pensava em como poderia lidar com a saudade que vou sentir. E confesso que, um dia depois do ocorrido, saudade é a palavra que mais machuca.
Morte só dói porque vai deixar saudade. Despedida também. Fim de relacionamento, da mesma forma. E é nesse ponto que me pego pensando que o ser humano tem que aprender a lidar é com a saudade, e nada mais. O resto vem de brinde. Mas isso acaba piorando todo o resto, todo o processo. Porque saudade é algo que fere tanto, que fica quase impossível saber como se curar, como esquecer ou como simplesmente não lembrar.
Como não lembrar da paciência ao fazer a minha mamadeira, me colocar pra dormir ajeitando os lençóis de maneira impecável e me deixar apertar a sua orelha até pegar no sono? Como esquecer o melhor feijão que já comi no mundo, com a melhor carne moída e o melhor molho de macarrão feito com nata de leite? Como não pensar nas vezes que assistimos o Especial do Roberto Carlos juntas, chorando ao ouvir ele cantar Detalhes, Emoções e tantas outras canções? Como não lembrar de todos os presentes, em todos os aniversários, do seu cabelo ruivo e depois branco como neve, das unhas sempre bem feitas e das roupas sempre elegantes, mesmo doente.
É impossível esquecer o cheirinho, a delicadeza, a educação, o carinho, os olhares sinceros, as lágrimas ao me contar histórias doloridas, a sabedoria, a paciência, a sinceridade, a fé. É impossível não sentir a garganta fechar e a respiração ficar mais ofegante ao lembrar do seu sorriso de felicidade quando me via, das vezes que sequei seu cabelo, passei creme nas suas pernas quando as forças já faltavam, te ajudei a tomar banho e a passar o tempo dentro dos hospitais frios onde você teve que ser internada. É vó, não sei como vai ser a vida daqui pra frente, só sei que não vai ser nada fácil ir visitar o meu avô e perceber que você não está mais ali.
Só sei que as minhas orações nesse momento são para que você siga seu processo evolutivo e fique em paz. Nós aqui vamos nos adaptar a sua ausência, mas com a certeza de que será sempre triste lembrar de todas as alegrias que passamos do seu lado por saber que, nesse mundo, elas não existirão mais. Porém, existe o consolo de também saber que haverá um reencontro e ele vai trazer de volta toda a paz que você sempre transmitiu. Vou ser eternamente grata a Deus por ter me permitido nascer neta de alguém tão especial e querido como você, que me ensinou a ser uma pessoa melhor em todos os momentos que nos encontramos. Eu te amo dona Maria Aparecida Araújo, imensamente, profundamente e eternamente.