quarta-feira, 31 de outubro de 2012

No meio do caminho




No meio do caminho tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
tinha uma pedra 
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento 
na vida de minhas retinas tão fatigadas. 
Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
no meio do caminho tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do meu caminho. Além de pedra, preconceito, desconhecimento e uma ignorância tremenda acerca da vida de um homem.  Um mito que conhecemos como Carlos Drummond de Andrade. Lembro das aulas de literatura, os livros que fazem questão de não ser criativos e mostrar uma faceta única de escritores brilhantes. Facetas que às vezes ofuscam sua estrela e acabam afastando a apreciação das pessoas pela sensibilidade do restante de sua obra.
Confesso que ainda não gosto da pedra no meio do caminho, apesar de na maturidade dos meus 27 anos, pelo menos dez a mais do que quando o li pela primeira vez, já entendo seu contexto e admiro o conjunto. O ato heróico e a liderança do movimento modernista em Minas Gerais e todo escândalo que gerou já são levados em consideração pela minha pessoa. Na verdade, hoje me sinto quase que envergonhada de todas as vezes que critiquei Drummond, sem sequer conhecê-lo. A pedra acabou sendo mesmo um obstáculo no meu aprendizado e um desvio no caminho que depois trilhei em busca de concretizar cada vez mais a admiração incomensurável que agora sinto diante desse mestre.
Hoje em dia o vejo como um ídolo. Um ideal que não busco alcançar, porque sei das minhas limitações e em contra partida, sei da grandeza dos seus escritos. Mas de fato é uma inspiração, uma alegria, quase uma comoção quando me permito dedicar horas a leitura de seus poemas. O que Drummond escreve alcança minha alma de uma forma peculiar. Expande minha forma de ver o mundo, minha compreensão diante de fatos que ele, rebuscado ou simples, descreve tão bem.
Acho que nesse momento cabe um belo exemplo.

O professor disserta sobre ponto difícil do programa.
Um aluno dorme,
Cansado das canseiras desta vida.
O professor vai sacudí-lo?
Vai repreendê-lo?
Não.
O professor baixa a voz,
Com medo de acordá-lo.

            Ele que chegou a ser Ministro da Educação, escrevia para um jornal escolar aos 16 anos. Já na adolescência, mostrava afinidades com o português e sensibilidade para pincelar as palavras e colocá-las em seu devido lugar. Quase como se elas só pudessem estar ali, onde Drummond escolheu. Um quebra cabeças que ele montava com perfeição. Mas aos 17 anos foi expulso do colégio por conflitos com o professor de Português. Fico pensando, anos depois, nos sentimentos desse mesmo professor ao ler a poesia que escolhi para ilustrar meu texto. Acho que se pudesse refazer o passado, ele teria abaixado a voz para não acordar Drummond dos sonhos que tinha.
            Talvez esse episódio tenha feito com que Carlos Drummond de Andrade abandonasse por um tempo as letras e se dedicasse a profissão de farmacêutico. Mas os remédios convencionais não curavam suas dores. Veio à decepção com a farmácia e a busca de novos curativos. Livros, textos, poemas se tornaram a válvula de escape mais freqüente desse homem que falava tão bem das emoções humanas. Todas elas. Boas ou ruins. Que amedrontam ou trazem sentido a existência.
            Drummond, assim como eu, era mineiro. Ele é nascido no dia 31 de outubro de 1902, filho dos fazendeiros Carlos de Paula Andrade, de quem herdou o primeiro nome e Julieta Augusta Drummond de Andrade, que inspirou o segundo nome daquela que seria o amor de sua vida: a filha Maria Julieta. Foi em uma cidadezinha perto da capital, Itabira do Mato Dentro, que já se chamou Presidente Vargas, mas agora é denominada de Itabira, apenas, que Carlos nasceu e viveu sua infância e parte da adolescência. A cidade é conhecida pelos seus habitantes como cidade da poesia ou cidade do ferro. O poeta descreve:

Confidência do itabirano
Alguns anos vivi em Itabira
Principalmente, nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calças.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
É doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

E entre os dois mil e quinhentos moradores aproximadamente, ele se sobressaiu, com a capacidade de levar ao mundo seu vasto conhecimento sobre as dores e as delícias do mundo. Delícias sim, de um amor natural, que sentia pela esposa Dolores Dutra de Moraes e pela namorada Lygia Fernandes, com quem manteve um romance paralelo ao casamento, por 35 anos. Alguém que entendia tanto de amor, só poderia vivê-lo na sua plenitude.
Todos esses sentimentos deram origem a um livro, “Amor Natural”, que só foi lançado em 1992 e gerou polêmica pelas poesias ditas pornográficas. Eu as chamaria de poesias eróticas escritas com elegância:

A língua girava no céu da boca.
Girava!
Eram duas bocas, no céu único.
O sexo desprendera-se de sua fundação, errante imprimia-nos seus traços de cobre. Eu, ela, elaeu.
Os dois nos movíamos possuídos, trespassados, eleu.
A posse não resultava de ação e doação, nem nos somava.
Consumia-nos em piscina de aniquilamento.
Soltos, fálus e vulva no espaço cristalino, vulva e fálus em fogo, em núpcia, emancipados de nós.
A custo nossos corpos, içados do gelatinoso jazigo, se restituíram à consciência.
O sexo reintegrou-se.
A vida repontou: a vida menor.

            E a vida menor que reponta primeiro é Carlos Flávio, que nasceu em 21 de março de 1927, mas viveu apenas meia hora, porque foi asfixiado pelo cordão umbilical. José Maria Cançado, em sua biografia sobre Drummond, diz que o escritor não fala sobre o filho nas suas obras. Nem mesmo o poema que se inicia com os versos “O filho que não fiz / Hoje seria homem” seria para Carlos Flávio. Pela minha compreensão, imagino que Drummond tenha ficado em estado de choque, atônito com a tragédia que alcançou sua família.
Todo amor que daria para o filho, ele canalizou. Praticamente um ano depois nasce Maria Julieta Drummond de Andrade, no dia 04 de março de 1928, sob o signo de peixes. (Mesmo ano em que Drummond lançou o poema ”No Meio do Caminho”. Soou como uma ironia para mim.) Isso me arrancou um suspiro de alegria, porque também sou pisciana, do dia 12 de março. E piscianos tem essa tendência melosa, com sensibilidade a flor da pele e um entendimento entre os pares que é único. Por isso quero me atrever a falar que compreendo um pouco do que devia ser a relação dessa mulher com o pai. Admiração profunda é o termo correto nesse caso.
Aquele amor canalizado encontrou o momento certo para se doar e de amor e doação foi construída a relação pai e filha que tanto me emociona. Queria eu ter tido um pai assim. O que ele sentia por ela era tão intenso, que morreu 12 dias depois de Maria Julieta não resistir ao câncer. Foi-se o poeta, ficaram as obras e a certeza de que viver só vale a pena se for intensamente.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

CAMINHANDO SOZINHA



Hoje, enquanto caminhava e orava, senti uma dor profunda ao perceber que os momentos em que mais preciso de presença, são os que mais me sinto sozinha. E por mais que o tempo passe, se tem uma coisa que ainda não aprendi, é a conviver com a solidão. Essa solidão dos incompreendidos. Dos que gritam sem ser ouvidos. Dos que sofrem calados para não incomodar. Dos que procuram incessantemente olhos compreensivos.
Antes eu me sentiria livre para pedir colo. Hoje, não mais. Meu ombro amigo é o travesseiro. Meus conselhos estão nos livros. O abraço aconchegante é do urso de pelúcia. Meu refúgio só encontro em Deus. Procuro a minha fé que anda tão encolhida num canto qualquer em mim, por medo de se expor de novo e mais uma vez não achar o caminho, ou as respostas. Ela ainda existe e quer se fortalecer, mais do que qualquer outra coisa.
Porque muitas vezes, esperança no futuro foi só o que me fez continuar. Essa certeza de que em algum momento vai dar certo. Eu quero acreditar. Voltar a acreditar. Achar a certeza inabalável de que o que é meu está guardado e que só preciso ter um pouco mais de paciência. Mas o mundo não é paciente comigo. Ele me cobra. E eu me sinto sem ar, buscando uma forma de respirar simplesmente.
Pai, eu te peço só um pouco de consolo, para continuar o caminho, sem esmorecer. Principalmente num dia como esse, em que estar sozinha e me sentir sozinha é o fardo mais pesado entre todos os outros.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

CASULO



Num mundo repleto de seres que, passam a vida enclausurados dentro de seus próprios casulos, percebo que já virei borboleta há muito tempo. E o fato de ser borboleta faz com que eu ouça sempre conselhos sobre não me expor demais. E sempre que isso acontece, eu me pergunto: porque se expor é um problema? Porque para se viver temos que pautar nossas atitudes dentro de um contexto social que oprime e faz com que as pessoas queiram, cada vez mais, morar dentro de si mesmas?
Não faz sentido. E como tudo que escolho na vida tem que fazer algum sentido, eu escolhi me mostrar e vai ser assim até que me apontem uma razão para o contrário. Porque não tenho motivos para me esconder, me camuflar, fingir ser o que não sou ou me pintar de uma cor que não combina comigo. Sou um arco-íris, prestes a tocar o céu, com um baú de ouro disponível para quem quiser.
E quem quiser deve saber muito bem que não passo de ouro de tolo. Porque a minha transparência, que mostra as veias pela brancura da pele, também mostra a alma para quem tem sensibilidade. E por mais que eu ainda seja uma alma em lapidação, não tenho vergonha das minhas manchas, dos meus erros e dos meus defeitos todos. Eles existem e quem quiser que lide com eles.
Assim fica mais sincera uma relação. As pessoas devem saber com quem estão lidando, para terem a opção de escolher se querem ou não esse alguém nos seus ciclos todos. Quando nos fechamos, enganamos os outros. E enganar os outros só não é pior do que enganar a si mesmo. Portanto, lagartas, não desperdicem a oportunidade de se tornarem borboletas. Voar e ser livre compensa todos os ventos de tempestade.

domingo, 14 de outubro de 2012

PANDEMÔNIO.




E quando se pensa ter achado seu centro, o norte, aquele caminho certo que deve ser percorrido para a plenitude, vem à vida, com um vento de tempestade, e coloca tudo fora de lugar. Você descobre o quanto suas novas conquistas pessoais estavam sendo postas sobre areia movediça. Percebe como ainda falta uma ligação entre o que é essencial e o que pode e deve ser alterado. Voltamos boa parte do caminho tentando achar respostas para perguntas que antes não existiam.
Internamente, confusão é a palavra que pode se aproximar da definição exata. E quando assumo isso para mim, noto como me movimento em ciclos, como mariposa em volta da lâmpada, pensando em alcançar a luz, sem perceber que todo seu esforço sempre a leva de volta para o mesmo lugar. Sempre de fora. Nunca por dentro. Sempre buscando. Perto. Nunca, de fato, sentindo nas pontas dos dedos. E a falta desse pouco que nunca chega é a forma mais cruel de tortura.
É um peso que beira o insuportável. Que exige uma lucidez que ainda não possuo e um entendimento sobre mim que as pessoas ainda não têm. E quando se mistura tanto transtorno e problema de comunicação, abre-se a porta para o pandemônio. É muita voz querendo falar. É muito gesto querendo se expor. É muita verdade que não me serve. E eu me sinto como alguém que leva tomates na cara por simplesmente ser mal interpretado.

Não que doa necessariamente. Mas é nítida a impressão de sair suja de todo o processo. Um processo lento, sem muito fôlego, como quase tudo que faço e que fiz. Só me recuso a terminar a conjugação no futuro, porque ainda acredito numa capacidade interna de encontrar esse ar que preciso para viver, para prosseguir, para deixar fluir. Mais um ciclo está terminando. Confesso que não ando muito curiosa para passar pelo próximo looping.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O QUE A GENTE FAZ POR DINHEIRO?




Mais uma vez, como num ciclo que se repete na minha vida, meus princípios são colocados a prova. É como se alguém me testasse para saber o que sou capaz de fazer por dinheiro, por uma colocação profissional, por poder. Como se me comparassem com esse amontoado de gente que se vende por migalhas, trocados. Como se quisessem colocar preço no meu silêncio. E quando isso acontece, eu sinto uma tristeza terrível de me ver sendo julgada por muitos como igual, como se fizesse parte desse mesmo lixo humano.
É preciso que as pessoas entendam que no mundo de onde eu vim e para onde vou voltar o dinheiro não existe. Portanto, para mim, ele só é uma necessidade de sobrevivência. Nunca vai ser moeda de troca. Nunca vai ser um instrumento que as pessoas poderão usar para mudar os meus valores. É só um tanto de papel colorido que compra o que eu preciso pra viver. E que nem é muito, porque aprendi com a dureza que a falta de luxo é um luxo que os ambiciosos desconhecem.
Não que eu não queira ter uma vida melhor. Eu quero. Queria um dia poder realizar o sonho da minha mãe de ter uma casa e poder dar a ela condições de não trabalhar tanto. Queria um dia comprar um carro pra facilitar a vida. Queria levar minha família à praia pra sentir a energia do mar e ter um pouco de distração. Queria dar a eles uma alimentação melhor, um plano de saúde, uma convivência onde não se tenha que brigar pela falta de dinheiro. Mas eu ainda não posso. E mesmo diante da insatisfação que me toma quando percebo essa minha incapacidade, eu digo, repito e grito se precisar: EU NÃO VOU ME VENDER.
Nada, absolutamente nada que o dinheiro é capaz de comprar vale mais do que o ser humano que eu quero ser. Sei que ainda falta muito. Não sou perfeita e na minha imperfeição ainda faço muitas coisas que depois condeno. Mas eu não vou retroceder. Perder minha força de lutar pelo que acredito. Perder minha fé numa sociedade mais justa, mais humana. Nem que isso me custe jogar meu diploma dentro de uma gaveta, erguer a cabeça e voltar para trás de um balcão. Porque ao contrário do que muitos acreditam, o que realmente importa não é o que está fora de você. É o que está por dentro e dentro de mim mora uma sonhadora irreparável, do tipo que prefere voar a ter as asas cortadas por aqueles que vivem de conveniência. Eu não sou conveniente e mesmo pobre, mesmo sem sucesso, vou continuar sendo atrevida.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

MASTURBAÇÃO MENTAL





Sensação de plenitude e delícia. É bem assim que tenho me sentido comigo mesma. Uma vontade intensa de pertencer a mim e só a mim me doar. É quase um monólogo sem tédio, cheio de intensidade, descoberta, suspiros. Um sorriso que não sai do rosto. Por quê? Porque eu me amo e quanto mais o tempo passa, mais esse amor cresce. Mais o nariz empina. E não venha me dizer que isso é arrogância. Não é. Nem prepotência.
É amor, só amor, um desejo insano de ser minha, só minha. Não que as pessoas não tenham um papel fundamental na minha vida. Elas têm. Sem a maioria delas eu não seria nada. Reconheço. Entendo. Mas o que quero viver, agora, é esse tesão por mim que me consome. Me enche de cor. É vermelho. É ardente. É vibrante. É o que me faz acordar com fome, o sol ficar mais amarelo e a energia da lua lamber a minha pele e me fazer uivar.
Esse romance que só me dá alegrias me faz perceber, a cada dia, o quanto temos que ser a pessoa mais importante da nossa vida. O quanto temos que nos dar carinho, atenção. Entender que temos que ser gentis com o que somos, aceitar o que queremos, conviver com o que nos foi dado e aprender a amar tudo isso que te faz ser único, exclusivo, especial. Viver é um misto de razão e emoção, sentimentos que despertam, sentimentos que adormecem, sentimentos que nos desmontam, sentimentos que desaparecem.
E tá tudo bem. Que seja. Que venha. Que vá. Porque quanto mais o tempo passa, mais me sinto VIVA.